Foto: Paulo Souza/ Rádio Gaúcha

Foto: Paulo Souza/ Rádio Gaúcha

Por Charles F. Almeida e Pedro Revillion

A cobertura jornalística do cotidiano da cidade de Porto Alegre começou cedo no dia 23 de maio de 2013. A partir das 4h40min, em protesto, os funcionários da Companhia Carris Porto-Alegrense – maior empresa de transporte coletivo urbano da cidade – impediram a saída dos ônibus da garagem.

A partir das 6h31 (horário da primeira matéria publicada no site de Zero Hora) os jornais locais reportaram os desdobramentos do protesto. A cobertura jornalística pelos veículos da capital nos motivou algumas questões que pretendemos abordar neste trabalho. Nosso ponto de partida é como, a partir de textos e imagens, o acontecimento da sexta-feira foi contado pelos jornais aos leitores. Limitamos o material analisado aos conteúdos web e impresso dos jornais Correio do Povo e Zero Hora e aos textos do site de notícias Sul21.com.br. Os impressos foram escolhidos por terem realizado tanto cobertura para seus sites quando para o produto impresso – além de serem os de maior circulação no RS; optamos também pelo site Sul21, veículo que tem se notabilizado por coberturas com outro ângulo em relação dois primeiros, e que não tem correspondente impresso.

O material analisado compreende duas notícias publicadas no site Sul21, seis notícias do site de Zero Hora e quatro do site do Correio do Povo, além de uma matéria e um comentário do impresso de Zero Hora e uma chamada de capa e uma matéria do impresso do Correio do Povo. Também foram incluídos álbuns de fotos publicados nesses sites. Esta tentativa de crítica da prática jornalística volta-se à cobertura do acontecimento realizada pelos jornais, enfocando elementos como título, imagens e participação das fontes, em diálogo com aportes teóricos que ajudem nessa compreensão. Não tendo, portanto, o objetivo de fazer juízo de valor sobre as coberturas jornalísticas. Apontam-se questões para reflexão.

Textos – Debates, polêmicas e fatos: o que nos dizem os jornais

“O acontecimento opera uma ruptura inesperada na ordem das coisas” (REBELO, 2005, p.17). Para tanto, o potencial de acontecimento de um evento está relacionado à atualidade (nosso tempo e nosso espaço); à relevância (ruptura no ‘quadro experiencial’); e à pregnância (a retorno à ordem das coisas, já modificada). A ação de narrar algo que se passou a si ou a alguém está ligado à busca pelo sentido do acontecimento, de maneira a suspender a indeterminação que provoca. Assim, uma ruptura na rotina da vida social como o protesto dos trabalhadores da Carris pode ser lida como acontecimento, ao produz uma ruptura na ordem das coisas do cotidiano, instala uma busca por sentido, além de ser atual em tempo e espaço. Algo que precisa ser narrado e que é potencialmente um revelador de intrigas, de regiões não resolvidas da vida social.

Os veículos de imprensa, através de imbricados processos de produção, fazem a ponte entre acontecimento e debate público. O jornalismo, cuja matéria-prima são os acontecimento, exerce um papel importante para elevação de um evento ao debate público e se configura como uma das arenas onde esse debate é travado. Atua, em certo sentido, como escreveu Alsina: “o processo da comunicação como sendo uma atividade socialmente legitimada, para gerar construções da realidade socialmente relevantes” (2009, p.20).

Foto: Ronaldo Bernardi/ Zero Hora

Foto: Ronaldo Bernardi/ Zero Hora

A construção da paralisação dos trabalhadores da Carris como acontecimento jornalístico chama atenção para  duas tendências diferentes e relacionadas entre si. Os jornais narram o acontecimento (quando tendem a dizer “o que aconteceu” ou “está acontecendo”) e atuam como arena de debate público (quanto “dizer o que aconteceu” está a serviço de apontar intrigas), em que as problemáticas relacionadas aos acontecimentos são apresentadas e debatidas. Essas ações no conjunto tentam dar um sentido ao acontecimento.

A série de notícias do site de Zero Hora intercala as tendências apontadas. Como podemos observar nos títulos da matérias, o jornal narra “Funcionários da Carris bloqueiam saída de ônibus na garagem da empresa em Porto Alegre” e recebe o debate “Presidente da EPTC classifica de ‘baderneiros’ funcionários da Carris paralisados na manhã desta sexta-feira”; narra “Garagem da Carris é desbloqueada e ônibus começam a rodar em Porto Alegre”, recebe o debate “Manifestação na Capital – Vereadora Sofia Cavedon usa o Twitter para defender reivindicações de rodoviários da Carris” e “Vida Urgente critica a recusa dos rodoviários em usar o cinto de segurança”; e conclui “Prefeitura e rodoviários chegam a acordo e horários dos ônibus voltam ao normal”.

No conteúdo impresso, em um breve comentário de Rosane de Oliveira na coluna Página 10, é avaliado o desempenho público dos parlamentares de parlamentares do Partido dos Trabalhadores (PT) no desdobramento dos fatos. Trata-se aqui de um aspecto avaliativo sobre personagens que agiram no caso. Na coluna, contudo, não se discute o assunto e sim o “jogo” dos políticos. Na matéria de página inteira intitulada “Ônibus parados – Carris vive tensão pré-BRT”, o debate público entre trabalhadores, usuários e gestores, e as problemáticas ligadas ao transporte (definidas por Zero Hora – BRT; balanço financeiro; preço da tarifa; gratuidades; licitação; não se fala em qualidade do transporte, atrasos, filas, lotações) ilustram o sentido dado pelo jornal ao acontecimento: as tensões criadas pelas transformações que passará o transporte público na cidade geraram o protesto. O evento fica subjacente ao contexto.

Foto: Vinicius Roratto/ Correio do Povo

Foto: Vinicius Roratto/ Correio do Povo

O conteúdo online do Correio do Povo também tende a mesclar os dois papéis do jornalismo. O faz, porém, no interior das matérias. Ao mesmo tempo em que as notícias sucessivas acompanham os desdobramentos dos acontecimentos (portões fechados; serviço prejudicado; ônibus voltam a circular; prefeitura determina o retorno ao trabalho; e ônibus circulam normalmente), são apresentadas posições relativas às reivindicações dos trabalhadores.

Como arenas de debates, os textos trazem primeiramente a posição da prefeitura, antes mesmo de dizer “o que querem os manifestantes”. A pauta dos grevistas está no intertítulo “Justificativas para a manifestação” (repetido nas quatro matérias), que, inicialmente, traz apenas uma das pautas dos trabalhadores relativa à utilização do cinto de segurança (os trabalhadores querem ser dispensados de utilizá-lo), reivindicação que gerou mais polêmica. Somente na quarta e última matéria um trabalhador tem lugar de fala. Claramente são privilegiados os posicionamentos dos administradores, não havendo um debate em condições sequer similares. Chamou atenção a posição dada pelo jornal à Brigada Militar, que aparece como participante ativo do acontecimento narrado, diferentemente dos outros veículos. Esse aspecto mostra que a paralisação como acontecimento, para o Correio, diz respeito a fatos pontuais e não às intrigas que o acontecimento revela, podendo, ainda, ser interpretado como questão policial.

No conteúdo impresso, com a manchete de capa “Caos no transporte – Protesto e neblina complicam vida de Porto Alegre”, o jornal traz uma foto de trabalhadores com legenda sobre a ação da Brigada Militar no local. Nada sobre os motivos da paralisação. Para mostrar a relação da cidade com seu transporte apresentada pela manchete, o diário associa dois problemas de natureza diferente: a neblina do aeroporto e a mobilização dos trabalhadores. No miolo do jornal, a matéria de 2/3 de página intitulada “Protesto da Carris atinge 150 mil” não coloca as motivações dos servidores para a greve. Apenas um item é citado (a liberação do uso do cinto), o que é “esclarecido” pelo presidente da EPTC, com referência ao Código Brasileiro de Trânsito, tornando sem sentido a manifestação. O texto narra a situação dos usuários prejudicados e as cenas do protesto, focando a presença da Brigada Militar, como espécie de mediadora do conflito. Pelo que narra o Correio, não parece haver razões plausíveis para a mobilização, fora trazer transtornos aos usuários.

O Sul21 publica a primeira matéria no meio da manhã às 9h27min (os outros dois veículos acompanhavam desde as 6h31min a Zero Hora e 7h20min o Correio). O site edita o conteúdo de Zero Hora e do Correio do Povo. Em “Funcionários da Carris bloqueiam saída de ônibus na garagem da empresa”, já no lead são apresentadas as razões que motivaram o protesto, o que segue pelo segundo parágrafo. O presidente da empresa aparece no terceiro parágrafo. Ele “classifica” como absurda a reivindicação relativa ao cinto de segurança e “confirma” a abrangência do protesto: seis dos 356 veículos saíram da garagem. O texto é encerrado pela informação de que a Carris chamaria a Brigada Militar e a Polícia Federal, o Ministério Público e a Delegacia do Trabalho. Há uma tendência mais clara em narrar explicando razões e contrarrazões da mobilização, sem aprofundar nas questões.

A segunda matéria do Sul21 sai no fim da tarde (17h43min), com o título “Carris: paralisação expõe problemas do transporte público de Porto Alegre”. A matéria, que é dividida por intertítulos: “Funcionários denunciam que número de CCs na Carris triplicou nos últimos anos”; e “Gestores municipais relacionam dificuldades da Carris com necessidade de reajuste tarifário”, traz um debate com três esferas envolvidas no acontecimento. Os usuários (há fala de uma usuária e a retomada de outros fatos desenvolvidos pelos usuários), que estão insatisfeitos com o serviço; os trabalhadores, que justificam suas ações, reivindicam e denunciam. E os administradores (vice-prefeito e diretores-presidentes da Carris e da EPTC), que explicam, desmente, tranquilizam.  A matéria atua como espaço para que esses agentes debatam. A falta de um foi condutor entre os temas debatidos, contudo, causa uma certa confusão na leitura. O contar a história do repórter não consegue indicar a dimensão que cada tópico discutido deve ter.

Podemos, assim, compreender o protesto como um “acontecimento noticioso de rotina”, ou seja, fato realizado intencionalmente, em que as pessoas que se encarregam dos acontecimentos são idênticas àquelas que os promovem em acontecimentos (MOLOTCH; LESTER, 1974, apud TRAQUINA, 2003, p.139). O que não quer dizer que sejam os únicos agentes das matérias. Para colocar as coisas em discussão pública é preciso “fazer acontecer”, tornando socialmente amplo os temas que circulam em fóruns restritos. Assim, os trabalhadores da Carris realizaram um ato para que temas de seu interesse fossem objeto de discussão, não tendo controle, contudo, dos efeitos em termos de disputa discursiva que o ato traz.

Foto: Bernardo Jardim/ Sul21

Foto: Bernardo Jardim/ Sul21

A reflexão subjacente a este texto relacionando o conceito de acontecimento e a cobertura jornalística, no âmbito da crítica das práticas, penso, parte do princípio de que ao jornalista é preciso ter em mente essas relações para pensar a cobertura do “fato” como possível de outras abordagens, igualmente válidas. Repensar o fazer jornalístico em termos de acontecimento e narrativa possibilita uma melhor compreensão do papel desempenhado pelo jornalista no dia a dia. Seus conteúdos devem refletir a diversidade de problemas e posições envolvidas de maneira a fomentar o debate das questões.

Imagens – Análise das imagens da cobertura (impressa e online) da Greve dos rodoviários da Carris nos jornais Correio do Povo, Zero Hora e Sul 21

Análise das imagens online e impresso no jornal Zero Hora.

O jornal Zero Hora é o único da Capital que possui um fotojornalista de plantão 24 horas por dia, portanto, é comum que esteja presente em pautas que ocorrem a qualquer horário. Quando o fato ocorre na madrugada, o periódico é o único que consegue realizar a cobertura fotojornalística do ocorrido. No caso da paralisação dos rodoviários da Carris a movimentação começou cedo, e o fotojornalista de plantão na madrugada, Tadeu Vilani, foi o primeiro profissional a chegar no local. Nas fotografias publicadas no site, pode se notar apenas um registro da situação, fotos com ângulos repetidos, onde mostrava um pequeno grupo de pessoas que se concentrava em frente à garagem da companhia, demonstrando o que parecia ser o início da grave. As fotos publicadas do fotógrafo não possuem nenhuma técnica apurada, como já dito antes, são puramente um registro da cena, para situar o leitor do acontecido.

Às sete horas da manhã, horário em que acontece a troca de turno entre os fotojornalistas da Zero Hora, o primeiro a entrar na redação, o fotógrafo Ronaldo Bernardi, foi deslocado para a manifestação dos rodoviários. Em situações como essa, é comum o jornal se utilizar de mais de um fotógrafo no local, e para isso, o fotógrafo do Diário Gaúcho, Marcelo Oliveira, também foi deslocado para a manifestação e colaborou no envio das fotos. As fotos que não são dos fotógrafos da Zero Hora, são raramente usadas na edição impressa do jornal, elas são utilizadas com mais frequência na cobertura online do evento. Isso não é uma regra, mas há uma preferência por se utilizar fotos dos profissionais do jornal na versão impressa.

No início da manhã, a paralisação já afetava boa parte dos usuários das linhas da Carris, e a notícia ganhava uma maior dimensão. Os funcionários da companhia já estavam em grande número protestando em frente à garagem. A cobertura realizada pelos fotógrafos do grupo RBS pode ser considerada normal. As fotos publicadas de Ronaldo Bernardi, no site e no jornal do dia seguinte, tendem a mostrar a ação da Brigada Militar que agiu no local para conter possíveis manifestações mais ríspidas e para liberar a saída dos ônibus. As imagens sempre têm como plano principal um grupo de policiais e o contexto no plano geral. Analisando as fotos tecnicamente, elas foram feitas sempre com uma lente grande angular e pouquíssima variação de ângulos e abordagens. Já a cobertura do fotógrafo Marcelo Oliveira, que foi publicada no site, mostra uma abordagem mais voltada na ambientação do cenário, mostrando os manifestantes e as eventuais saídas dos ônibus das garagens, para justamente se alinhar ao texto publicado, que dizia que os ônibus já estavam saindo da garagem para cumprirem suas rotas. A abordagem do fotógrafo privilegiou uma lente tele-objetiva, justamente para contextualizar os manifestantes e a fachada da garagem onde os ônibus estavam saindo. Um fato acontecido na cobertura das manifestações e cada vez mais corriqueiro, é que o site se utilizou de imagens feitas com o celular por repórteres de rádio e jornal: neste dia foi publicada uma foto de um repórter da rádio Gaúcha mostrando um ônibus lotado de pessoas. Se um fotojornalista estivesse no local, esse cenário poderia ter sido melhor explorado e imagens com maior impacto poderiam ter sido capturadas. Inclusive, uma cobertura com essa abordagem (que apresenta o lado dos passageiros) já ocorreu inúmeras vezes em situações semelhantes, desta vez, no entanto, foi deixada de lado.

Análise das imagens online e impresso no jornal Correio do Povo

O jornal Correio do Povo não possui um plantão de madrugada, portanto, a cobertura do protesto dos rodoviários começou quando os primeiros profissionais chegam ao jornal, às 7 horas da manhã e, neste dia, quem estava no primeiro horário era o fotojornalista Vinícius Roratto. A cobertura realizada pelo fotógrafo não destoa muito da realizada pelos profissionais do jornal Zero Hora, porém apresenta algumas características diferentes. O Correio do Povo, em seu site, priorizou a publicação de imagens que mostrassem todo o protesto. Desta forma, foram publicadas fotos de alguma tensão entre os rodoviários (o que na cobertura da Zero Hora não aconteceu), fotos da ação da brigada militar, e fotos de cenas ocorridas na manifestação. A edição do portal de notícias também se preocupou em retratar as pessoas afetadas, apesar de a fotografia não evidenciar filas ou transtornos, ela foi feita e publicada. Essa imagem serviu para entrar na narrativa fotográfica do fato, que foi bem explorada pelo fotógrafo e pelo portal de notícias.

Foto: Vinicius Roratto/ Correio do Povo

Foto: Vinicius Roratto/ Correio do Povo

A versão impressa do jornal Correio do Povo foi a única analisada que trouxe a notícia da paralisação na capa, com uma foto destacada. Porém, algo incomum em uma edição impressa ocorreu. A mesma foto da capa estava na página interna, um erro que no jornalismo impresso não ocorre com frequência. Analisando as imagens de uma maneira mais técnica, o fotógrafo explorou ângulos mais abertos, contextualizando o ambiente e, assim como o fotógrafo Marcelo Oliveira, se utilizou de uma lente tele-objetiva para comprimir os atores na foto, trazendo informação e harmonia entre os elementos fotográficos.

Análise das imagens online no jornal Sul21

O jornal Sul21 é um portal de notícias e sua única foto publicada sobre o assunto é a do fotografo Bernardo Jardim, para a qual ele se utilizou de uma lente tele-objetiva para explicitar os grevistas e um ônibus da companhia Carris que tinha sido liberado para realizar sua rota. A foto ilustra a situação, mas não demonstra o processo que ocorreu durante a madrugada e a manhã. Talvez, e isso é uma suposição de quem está analisando, o fotógrafo tenha sido enviado para a pauta mais tarde na manhã, quando a greve já estaria se dispersando, fazendo com que cobertura não rendesse material suficiente para uma galeria de fotos no site.

Referências Bibliográficas:

ALSINA, Miquel Rodrigo. A construção da notícia. Petrópolis: Vozes, 2009.

REBELO, José. Prolengômenos à Narrativa Midiática do Acontecimento. In: Trajectos, Lisboa, n. 6, 2005.

TRAQUINA, N.. A problemática da AIDS: acontecimentos, notícias e ‘estórias’. In: TRAQUINA, N.. O estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2003.

Conteúdos dos sites. Foi utilizada a palavra-chave “carris” para localizar as matérias.

Zero Hora:

24/05/2013 http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/fotos/paralisacao-na-carris-prejudica-transporte-coletivo-em-porto-alegre-36670.html

24/05/2013 http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/fotos/paralisacao-na-carris-prejudica-transporte-coletivo-em-porto-alegre-36670.html

24/05/2013 | 06h31 Atualizada em 24/05/2013 | 08h25: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/transito/noticia/2013/05/funcionarios-da-carris-bloqueiam-saida-de-onibus-na-garagem-da-empresa-em-porto-alegre-4148186.html

24/05/2013 | 07h38:  http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/transito/noticia/2013/05/presidente-da-eptc-classifica-de-baderneiros-funcionarios-da-carris-paralisados-na-manha-desta-sexta-feira-4148194.html

24/05/2013 | 09h11 Atualizada em 24/05/2013 | 13h32: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/transito/noticia/2013/05/garagem-da-carris-e-desbloqueada-e-onibus-comecam-a-rodar-em-porto-alegre-4148226.html

4/05/2013 | 10h59: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/transito/noticia/2013/05/vereadora-sofia-cavedon-usa-o-twitter-para-defender-reivindicacoes-de-rodoviarios-da-carris-4148297.html

24/05/2013 | 13h35: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/transito/noticia/2013/05/vida-urgente-critica-a-recusa-dos-rodoviarios-em-usar-o-cinto-de-seguranca-4148379.html

24/05/2013 | 14h24: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/transito/noticia/2013/05/prefeitura-e-rodoviarios-chegam-a-acordo-e-horarios-dos-onibus-voltam-ao-normal-4148398.html

Sul21

24/05/13 | 09:27: http://www.sul21.com.br/jornal/2013/05/funcionarios-da-carris-bloqueiam-saida-de-onibus-na-garagem-da-empresa-em-porto-alegre/

24/05/13 | 17:43 http://www.sul21.com.br/jornal/2013/05/paralisacao-da-carris-expoe-problemas-do-transporte-publico-da-capital/

Correio do povo

24/05/2013 07:20 – Atualizado em 24/05/2013 08:23: http://portallw.correiodopovo.com.br/Noticias/?Noticia=499289

24/05/2013 09:20 – Atualizado em 24/05/2013 12:17: http://portallw.correiodopovo.com.br/Noticias/?Noticia=499298

24/05/2013 12:46 – Atualizado em 24/05/2013 13:39: http://portallw.correiodopovo.com.br/Noticias/?Noticia=499320

24/05/2013 13:45 – Atualizado em 24/05/2013 16:48: http://portallw.correiodopovo.com.br/Noticias/?Noticia=499325

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Comissão da Verdade e a repercussão dos depoimentos na mídia

(Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)

(Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)

O depoimento do coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, realizado no dia 10 de maio de 2013, à Comissão Nacional da Verdade, recebeu a repercussão de diferentes veículos do Rio Grande do Sul e do país. A ocasião foi marcada por tumulto, bate-boca e acusações de tortura e de assassinatos durante a ditadura. As declarações do ex-chefe do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna do 2º Exército em São Paulo entre os anos de 1970 e 1974, auge da repressão violenta sobre resistentes ao regime, incluíram afirmações de que a presidente Dilma Rousseff militou em organizações terroristas e recorrente negação, por parte de Ustra, de crimes de tortura, seqüestro, ocultação de cadáver e assassinatos durante período em que foi chefe do DOI/Codi SP.

Por este motivo, as alunas Vanessa Hauser e Vanessa Ioris decidiram analisar como os veículos repercutiram tal acontecimento na plataforma online. Para realizar tal exercício de análise crítica foram selecionadas notícias de três veículos do Rio Grande do Sul – Correio do PovoZero Hora e Sul 21; e outros três veículos de repercussão nacional – Folha de São PauloEstadão e Veja.

Tal escolha proporciona indícios, ainda, para que se proceda uma crítica dos discursos voltados às práticas jornalísticas e como os processos de produção estão vinculados às agências de notícias.

Os detalhes de cada publicação

Zero Hora

A abordagem de Zero Hora começa às 20h22, no dia 09 de maio, com a publicação, na coluna de política localizada no centro da capa, da notícia intitulada “Justiça concede a Ustra direito de ficar calado na Comissão da Verdade”, onde anuncia o depoimento do coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra na Comissão Nacional da Verdade, a ser realizado no dia seguinte, 10 de maio, como parte dos procedimentos adotados pela comissão, na tentativa de esclarecer crimes cometidos durante o Regime Militar. A notícia publicada, em aproximadamente 20 linhas e sem fotografias, utiliza informações da Agência Brasil e anuncia que Ustra obteve o direito de permanecer em silêncio durante seu depoimento. O juiz justificou a decisão, segunda a notícia, afirmando que Ustra teria o direito de não responder perguntas que pudessem incriminá-lo.

Nos dois últimos parágrafos, a notícia informa que no decreto que criou a Comissão da Verdade, consta a prerrogativa de convocar testemunhas inclusive coercitivamente e no caso de ausência do depoente, encaminhar representação ao Ministério Público. Consta que a agência ou jornal procurou entrar em contato com um representante da comissão, para obter esclarecimentos sobre a questão, mas não obteve resposta.

 Por último, o texto traz a informação de que Ustra, assim como delegado aposentado Alcides Singillo (que havia atuado no Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo) foram, denunciados no dia 29 de abril pela ocultação do cadáver do estudante de medicina Hirohaki Torigoe, de 27 anos, morto no dia 5 de janeiro de 1972.

Já no dia 10 de maio, a cobertura online de Zero Hora sobre o caso Ustra começa às 13h09, com a notícia recebendo destaque na coluna de política localizada no centro da capa, intitulada Comissão da Verdade: Ustra diz que Dilma atuou em grupos terroristas.

Às 21h15 no mesmo dia, Zero Hora publica a seguinte notícia, no meio da página online, com informações de agência: Em São Paulo, representante de Comissão da Verdade diz ter sido torturado por Ustra. O título leva o chapéu “Confrontando o Militar”, uma referência ao acontecimento mais desestabilizador do processo: a tensão ocorrida entre Ustra e o presidente da Comissão Municipal da Verdade de São Paulo, vereador Gilberto Natalini (PV-SP), que acusou o coronel de terrorista. A notícia narra, com alguns detalhes, o embate ocorrido: perguntado se havia torturado Natalini, em 1972, Ustra respondeu que não e afirmou que não tinha nada a declarar. O vereador, neste momento, interrompeu a fala “aos gritos”, conforme o texto jornalístico e disse: – Sou um brasileiro de bem. O senhor é que é terrorista. Eu fui torturado pelo coronel Ustra. Em seguida, o relato aponta para o protesto de apoiadores de Ustra e a interrupção da sessão devido ao tumulto gerado.

O texto afirma, ainda, que Ustra negou que tenha havido crimes e que tenha havido tortura, sequestro, ocultação de cadáver e mortes durante sua passagem pelo órgão de repressão da ditadura.Os últimos três parágrafos do texto, dedicam-se a retomar o depoimento de Natalini na Comissão Nacional da Verdade, em que o vereador narra um episódio no qual foi submetido à tortura por Ustra. Tal declaração, afirma a notícia, foi rebatida pelo Coronel em uma carta aberta publicada em setembro de 2012.

Correio do Povo

A primeira notícia publicada no jornal Correio do Povo sobre o depoimento conturbado de Ustra na Comissão da Verdade foi ao ar às 13h34 do dia 10 de maio, intitulada “Nunca fui assassino”, diz ex-chefe do DOI-Codi à Comissão da Verdade.

A notícia, que aparece com destaque na capa, mas sem foto, utiliza como fonte informações do jornal Estadão e traz alguns trechos do depoimento de Ustra:

“Estávamos cientes de que estávamos lutando para preservar a democracia. Lutávamos contra o comunismo. Se não fosse a nossa luta, hoje eu não estaria aqui porque eu já teria ido para o paredão”, afirmou. “Hoje não existiria democracia nesse País”, completou.

 O texto informa que o nome do Coronel é um dos mais citados em denúncias de direitos humanos no período de ditadura militar. Questionado sobre denúncias de estupro e mortes dentro do DOI, o militar foi categórico ao negar tais fatos.

A notícia publicada no CP traz ainda informações sobre o depoimento de o ex-agente Marival Chaves Dias do Canto e informa que o depoimento foi aberto ao público e transmitido pela internet.

A segunda matéria publicada sobre o assunto por CP, às 18h24, refere-se, mais especificamente, sobre o depoimento de Chaves. Em Ex-membro do DOI-Codi diz que corpos de militantes eram exibidos como troféus, são reproduzidos trechos do depoimento do ex-sargento, sobre episódios bastante violentos do período. Ele afirma, ainda, que Ustra era permissivo com ações como a exposição dos corpos de um casal dentro do DOI.

Chaves ainda acusou Ustra de participar de sessões de tortura e de ter implantado dois centros clandestinos de tortura em São Paulo. A fonte utilizada na notícia é a Agência Brasil.

Sul 21

A cobertura do Jornal Sul21 começa com a notícia intitulada Justiça concede a Ustra direito de ficar calado na Comissão da Verdade, publicada às 10h15 do dia 10 de maio, com destaque com foto na capa. Com informações da Agência Brasil, o texto é muito semelhante ao publicado no jornal Zero Hora. No entanto, Sul 21 mantém referência à fonte ao longo de todo o texto.

“Nunca ocultei cadáver”, diz coronel Ustra a membros da Comissão da Verdade, é a segunda notícia publicada pelo Sul 21, às 13h41. Também com informações da Agência Brasil, o texto traz algumas manifestações do Coronel Ustra, que nega todos os crimes dos quais é acusado, entre eles a ocultação de cadável. A notícia ainda retoma a informação de que Ustra compareceu à Comissão Nacional da Verdade após ser convocado, e que mesmo podendo manter-se em silêncio, preferiu responder a alguns questionamentos.

‘Corpos de militantes mortos eram expostos como troféu no DOI-Codi’, revela militar, foi uma matéria publicada às 14h35. Sem dúvida o texto mais completo e detalhado da cobertura do Sul 21, foi redigido por Júlia Rabahie, da Rede Brasil Atual. O texto trata do depoimento de Marial Chaves, trazendo detalhes de suas declarações. Além do já narrado episódio dos corpos que eram trazidos como troféus para dentro do CODI, depois de mortos, outros fatos aparecem neste texto: a criação de centros de cárcere e tortura clandestinos em SP, por exemplo. Os episódios narrados são os mesmos, praticamente, da matéria publicado no Correio do Povo. O Sul 21, no entanto, traz imagens das fontes (depoentes) em todas as matérias.

“Fui um dos torturados pelo coronel Ustra”, diz vereador de SP é a matéria publicada no jornal Sul21, no dia 10 de maio, às 17h10. Com informações da Agência Brasil, a notícia é praticamente uma repetição do que foi publicado em Zero Hora.

 Folha Online

Ustra obtém direito de ficar calado na Comissão da Verdade é o título da matéria publicada pela Folha Online no dia 09 de maio, às 17h38, sem foto e sem destaque na capa, em que relata o pedido de Ustra para ficar calado diante de perguntas durante o depoimento que prestará na Comissão da Verdade. O texto aborda, ainda, a fragilidade da saúde de Ustra e encerra dizendo que a transparência das ações da comissão estão sendo questionadas.

A única notícia publicada por Folha Online sobre o depoimento de Ustra é um texto mais completo e detalhado do que as abordagens “locais” sobre o assunto. A proximidade geográfica, política e social com a questão justificam tal posicionamento, é claro. Ustra rebate acusações de mortes na ditadura e cita atuação de Dilma em grupo terrorista, é a matéria publicada pelo jornal paulistano às 12h47min, com atualização às 20h56. Já no lead é possível observar uma mudança na abordagem, até então razoavelmente neutra:

Em um depoimento tumultuado, com bate-boca e gritaria, o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, 80, rebateu nesta sexta-feira (10), durante depoimento à Comissão Nacional da Verdade, acusações de tortura e de assassinatos durante a ditadura. Segundo ele, toda a ação do regime militar teve como objetivo proteger o país de uma ditadura de esquerda.

Já no segundo parágrafo o texto faz referência à acusação proferida por Ustra à presidente Dilma Rousseff – de que ela havia militado em organizações terroristas. Logo em seguida, o texto afirma que “Dilma fez parte de grupos marxistas de resistência armada à ditadura. Durante o período ela foi presa e torturada. O Planalto não comentou as declarações”. A expressão “grupos marxistas de resistência armada à ditadura” é direcionada a outra notícia, publicada em novembro de 2010 – Dilma tinha código de acesso a arsenal usado por guerrilha. A matéria fala sobre um documento ao qual o jornal teve acesso e que descreve uma acusação feita pela ditadura à atual presidente pelo fato de ela estar ligada à grupos de detinham armamento de combate aos militares. Dilma tinha acesso ao armamento. A notícia da época, ainda revela que Dilma já havia admitido ter realizado treinamento com armas de fogo, mas que não quis dar entrevista à Folha sobre a questão.

A matéria segue com um longo trecho de Ustra, no qual afirma que todo o seu esforço foi por livrar o Brasil de uma ditadura do proletariado e de grupos terroristas dos quais, inclusive, Dilma fazia parte. O texto se refere ao fato de que mesmo com o direito de permanecer calado, o Coronel respondeu a alguns questionamentos.

Segundo o relato da Folha, Ustra se irritou quando questionado sobre as mortes que ocorreram no DOI. Um documento secreto produzido pelo exército – onde consta a morta de 50 pessoas durante o comando de Ustra no DOI/Codi. O Coronel afirmou, aos gritos, segundo a matéria: “Você acha que eles eram anjinhos que foram mortos na prisão. Eles eram terroristas armados”.

Seguindo o relato, o texto afirma que Claudio Fonteles, membro da comissão, propôs uma acareação entre Ustra e Chavez, ao que Ustra reagiu: “Eu não faço acareação com terrorista”. Ouvindo Fonteles, Folha afirmou que ele avaliou o resultado da comissão como positivo.

A matéria é encerrada com uma explicação sobre o depoimento de Marival Chaves.

Estadão

O jornal traz uma cobertura completa, com destaque na capa, sobre o depoimento de Ustra na Comissão da Verdade, com vídeos e galerias de foto. Além disso, em sua matéria principal sobre o assunto, detalha aspectos do ocorrido, repetindo tudo aquilo que já descrevemos sobre o ocorrido. A peculiaridade do Estadão, no entanto, é que o lead contém uma declaração de peso:

O coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra afirmou nesta sexta-feira, 10, que “lutou pela democracia” e negou ter cometido crimes durante o regime militar. “Nunca fui assassino”, disse Ustra aos integrantes da Comissão Nacional da Verdade. Em seu depoimento afirmou ainda que a presidente Dilma Rousseff participou de “organizações terroristas”.

“Lutou pela democracia” é uma frase até então não destacada pelos jornais, tanto nacionais como regionais. De todas as matérias, aliás, a do Estadão é a que mais dá destaque às declarações de Ustra sobre a ditadura do proletariado, ao caráter terrorista dos movimentos contra o regime militar: “Estávamos cientes de que estávamos lutando para preservar a democracia. Lutávamos contra o comunismo. Se não fosse a nossa luta, hoje eu não estaria aqui porque eu já teria ido para o ‘paredon'”. Por fim, o texto relata todas as acusações negadas veementemente por Ustra.

Foi somente o Estadão, também, que publicou uma matéria de “análise” sobre o andamento da comissão no dia posterior ao depoimento de Ustra. A matéria intitulada Comissão não soube enfrentar Ustra, dizem militantes foi ao ar no dia 14 de maio, às 08h38 da manhã. O texto afirma que o desempenho dos membros da comissão provocou críticas entre ex-presos políticos, familiares de desaparecidos e organizações de direitos humanos. Na avaliação dos militantes, diz o texto, a comissão teria permitido que Ustra transformasse o depoimento em um palanque em defesa do período autoritário. A matéria traz três declarações negativas (de pessoas de esquerda) – incluindo um representante do Partido dos Trabalhadores que reagiu contrariamente ao fato de Ustra ter chamado Dilma de terrorista e ninguém ter se manifestado contra isso – e uma positiva sobre a condução da comissão.

Veja

Ustra nega mortes no DOI-Codi e diz que Dilma foi terrorista é o título da matéria publicada em Veja Online no dia 10 de maio, às 14h21, que recebeu destaque na capa com foto. Já no subtítulo o veículo vai mais direto ao ponto, aproximando-se das abordagens de Folha e Estadão: Coronel da reserva deu um depoimento em que defendeu sua atuação no período militar: “Lutávamos contra o comunismo”.

O texto segue no mesmo sentido dos outros, afirmando as “negações” de Ustra. Mas traz uma frase diferente do Coronel: “Nós lutamos para preservar a democracia, estávamos lutando contra o comunismo. Para que isso não se transformasse num enorme ‘Cubão'”. A notícia encerra com a afirmação de que o Planalto não havia se declarado sobre as acusações de Ustra à presidente. O texto utilizou como fonte informações do Estadão.

 

Algumas observações possíveis

 Por Vanessa Hauser

 

Por uma dimensão histórica neutralizada

“Os fatos são as pedras a partir das quais construímos caminhos de análise, os ladrilhos de um mosaico que encaixamos para compor imagens do passado e do presente”, afirmou Ash em seu livro “Os fatos são subversivos” (2011). Compor imagens do passado é uma tarefa típica da história, sabemos. Porém, compor fatos do momento atual pode ser um ofício creditado aos jornalistas – incumbidos de contar a história do presente – ainda que os dois elementos – passado e presente – estejam sempre muito imbricados, tal como a história e o jornalismo.

O caso analisado a seguir – depoimento de um ex-militar com certo protagonismo durante o Regime Militar brasileiro, é exemplo interessante sobre como contar o presente é, também, um exercício de retomada de elementos históricos, sem os quais os acontecimentos não podem ser relatados suficientemente.

Um primeiro aspecto a ser destacado é a falta de envolvimento com o assunto por parte dos jornais locais, especialmente Zero Hora, que apenas reproduziu de modo muito simples algumas notícias da Agência Brasil. Correio do Povo fez um esforço maior por “triturar” a questão, trazer outros elementos e não apenas reproduzir textos de agência. Sul 21 teve a cobertura mais completa, ainda que tenha reproduzido, na íntegra, a maioria dos textos da Agência Brasil.

É compreensível o fato de os jornais localizados mais ao Sul do país não darem tanto destaque a um acontecimento localizado em São Paulo. No entanto, desdobrar a questão de forma mais completa, como fez Sul 21, demonstra que o acontecimento é problematizado ou, em outras palavras, revelador de campos problemáticos – a história do país viveu um período autoritário, em que muitos sujeitos foram assassinados e torturados. Há que se fazer justiça sobre isso? A postura neutra sobre o fato responde negativamente à questão.

A cobertura nacional, muito mais completa, deixa a desejar em termos de posicionamento, ainda que isso seja impossível no jornalismo, como sabemos. De um lado, amplamente tendenciosa ao focar o acontecimento na relação com a presidente Dilma – acusada de ser terrorista; de outro, muito pouco preocupada com a dimensão histórica de um acontecimento que revela, ao fim, muitas contradições da história brasileira. Percebe-se uma postura de neutralidade histórica muito presente na cobertura jornalística sobre a Comissão da Verdade e sua relevância. Observa-se ainda, a neutralização do embate entre Ustra e o vereador paulista, quase como tentativa de anulação dos conflitos por parte do jornalismo. Isso, a meu ver, deveria ser explorado muito mais na cobertura.

blog-videla-capa-página-12Muito mais centrados na relação do depoimento de Ustra com o caráter terrorista da presidente da República, Folha, Estadão e Veja destacam o Regime Militar como um momento histórico que, no fim das contas, não foi tão ruim para o país. O resgate histórico do período em questão talvez identificasse mais o leitor com a problemática. Qual o interesse do país, afinal de contas, em retomar a investigação dos crimes cometidos na Ditadura? Vê-se que nos países vizinhos, por exemplo, o problema é tratado com muito mais rigor, inclusive pelo jornalismo, como demonstra a capa do Jornal Página 12 (figura ao lado), da Argentina, que “retrata” a morte do ex-ditador Jorge Rafael Videla, responsável, ao que consta, por 30 mil mortes durante os 5 anos em que comandou a ditadura argentina. O jornalista Luis Nassif destacou a capacidade de síntese crítica da capa.

É possível observar alguns elementos quase míticos na narrativa do acontecimento, no sentido de tornar algumas declarações ‘ficcionais’. A maneira encontrada, quem sabe, de abordar uma “vaca sagrada” da história e, portanto, do jornalismo brasileiro. As vacas sagradas, segundo Ross, são aqueles fatos “ocultos”, não colocados em debate, com o intuito de evitar confrontos ou revelações que não são pertinentes aos interesses econômicos e políticos dos jornais. Eis a questão: a Comissão da Verdade, de fato, incomoda muitos interesses. Colocar acusações na roda, portanto, gera desgastes incalculáveis: colocar o dedo na ferida, em outro modo de dizer. Como o jornalismo lida com isso? Se não lhe é permitido simplesmente fingir que algo não ocorreu? Pelo apagamento das contradições e pela neutralização da dimensão histórica do fato – estratégia expressa claramente, a meu ver, na cobertura do depoimento de Ustra. A crítica expressa pela matéria publicada pelo Estadão em relação ao desempenho da Comissão da Verdade é a crítica possível com relação à cobertura jornalística do acontecimento Ustra.

Outras observações

Por Vanessa Ioris

A partir dos aspectos destacados na descrição das notícias dos veículos do Rio Grande do Sul, é possível perceber que tanto Zero Hora, quanto Correio do Povo e Sul21 fizeram uso de notícias de agências, assim como os de abrangência nacional, Folha e Veja. Apenas Estadão produziu conteúdo próprio. Em “Os fatos são subversivos”, Ash traz a importância de o repórter sair da redação e estar em contato direto com o acontecimento. Segundo ele, “apesar de todas as novas tecnologias de gravação, não há nada comparável a estar no próprio lugar” (2011, p.16).

Os veículos Folha e Veja fizeram uso da afirmação de Ustra de que Dilma Rousseff atuou em grupos terroristas no título de suas publicações. Entretanto, não há mais informações sobre essa questão nas notícias. Tal situação remete Ross (2008, p.95), quando o autor faz referência sobre o uso do título como instrumento para atrair ou até mesmo enganar o leitor e quando menciona ainda que os jornais são sensacionalistas. A referente análise leva ainda em consideração a relação do sistema de informação ante grupos de interesse, como podemos ver em Colombo (1997, p.11) “…el trabajo periodístico está estrictamente presidido por el código de la correción política”.

De maneira geral nas publicações, há falta de aprofundamento e melhor contextualização desse fato que retoma um importante marco da história do país. É importante lembrar que o jornalismo forma o presente social de referência, conforme Gomis (1991, p.14). E, nesse sentido, como já foi feita indicação no início dessa análise, vale relembrar o que Ash (2011, p.16) fala sobre o “historiador do presente”. Se o historiador trata do passado e o jornalismo do presente, o ideal é a combinação de erudição e jornalismo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COLOMBO, Furio. Últimas notícias sobre el periodismo. Barcelona: Anagrama, 1997.

GOMIS, Lorenzo. Teoria del periodismo. Cómo se forma el presente. Barcelona, Paidós, 1991.

ROSS, Edward. Allworth. Um diagnóstico precoce da imprensa capitalista. In: C. BERGER e B. MAROCCO (Orgs.). A era Glacial do jornalismo, Vol. 2. Porto Alegre: Sulina, 2008.

T.G. ASH. Os fatos são subversivos. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

 LINKS CONSULTADOS

http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/politica/noticia/2013/05/em-sao-paulo-representante-de-comissao-da-verdade-diz-ter-sido-torturado-por-ustra-4134272.html

http://portallw.correiodopovo.com.br/Noticias/?Noticia=498314

http://www.sul21.com.br/jornal/2013/05/fui-um-dos-torturados-pelo-coronel-ustra-diz-vereador-de-sp/

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/05/1276485-nunca-ocultei-cadaver-diz-coronel-ustra-a-membros-da-comissao-da-verdade.shtml

 http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,nunca-fui-assassino-diz-coronel-ustra-a-comissao-nacional-da-verdade,1030540,0.htm

http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/nunca-fui-assassino-diz-ustra-a-comissao-da-verdade

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Operação Concutare: análise da cobertura realizada por seis jornais gaúchos

A Operação Concutare, deflagrada pela Polícia Federal no final do mês de abril, pautou todos os jornais do Estado. Relacionadas a negociações de licenças ambientais fraudadas, as investigações levaram à prisão temporária personagens do alto escalão dos governos municipal e estadual. Um grande evento jornalístico, portanto.

Este é o motivo pelo qual as alunas Aline Custódio e Roberta Schuler decidiram avaliar as edições de seis jornais impressos (quatro de Porto Alegre e dois do Interior do Estado) nos dois primeiros dias da cobertura da operação. Diferentemente das edições online, cujas reportagens se consegue localizar mesmo passado algum tempo dos episódios que motivaram a cobertura, encontrar exemplares em papel não foi tarefa fácil. Por este motivo, ficaram de fora dois jornais da Capital, que poderiam ter enriquecido a análise.

Mais que identificar o tamanho e a profundidade da cobertura de cada publicação, a intenção é analisar o esforço editorial para cercar o assunto por todos os lados e oferecer o material mais completo ao leitor.

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Análises e números: a cobertura midiática sobre a pesquisa encomendada por Tarso

Os alunos Rafael Varela e Álisson Coelho escolheram analisar as notícias publicadas sobre a pesquisa encomendada pelo Governo do Estado Rio Grande do Sul para avaliação da administração Tarso Genro. Esse fato tem como singularidade a inclusão, por parte do governo, de uma pergunta na pesquisa para avaliar a cobertura do jornal Zero Hora sobre os assuntos relativos à administração estadual. As matérias foram veiculadas em televisão, jornal e internet entre os dias 18 e 19 de abril.

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